16/10/2020

[Resenha] Carrie, a estranha | Stephen King

Carrie, a estranha

Autor(a): Stephen King
Editora: Suma de Letras
Páginas: 296
Resenha por: Larissa
Avaliação: 5/5
Compre: Amazon / Submarino



Sinopse: Carrie é uma adolescente tímida e solitária. Aos 16 anos, é completamente dominada pela mãe, uma fanática religiosa que reprime todas as vontades e descobertas normais aos jovens de sua idade. Para Carrie, tudo é pecado. Viver é enfrentar todo dia o terrível peso da culpa. Para os colegas de escola, e até para os professores, Carrie é uma garota estranha, incapaz de conviver com os outros. Cada vez mais isolada, ela sofre com o sarcasmo e o deboche dos colegas. No entanto, há um segredo por trás de sua aparência frágil: Carrie tem poderes sobrenaturais, é capaz de mover objetos com a mente. No dia de sua formatura, Carrie é surpreendida pelo convite de Tommy para a festa - algo que lhe dá a chance de se enxergar de outra forma pela primeira vez. O ato de crueldade que acontece naquele salão, porém, dá início a uma reviravolta cheia de terror e destruição. Chegou a hora do acerto de contas. Carrie, a estranha é um dos maiores clássicos de terror da literatura contemporânea e um dos livros mais aclamados de Stephen King.

Resenha: Eis aqui o primeiro livro escrito pelo aclamado mestre do terror, Stephen King, que teve suas primeiras páginas jogadas fora, mas salvas por sua esposa, que o incentivou a terminar a obra.

Carrie White é uma garota que tem dezesseis anos e mora com sua mãe, Margaret White, uma religiosa fanática, em uma cidadezinha chamada Chamberlain. Seu pai, Ralph White, morreu antes de ela nascer.

Nossa protagonista é do tipo que não se encaixa em nenhum grupo; desde o primário ela era deixada de lado e, mais que isso, zoada pelos colegas, tudo isso por ter uma mãe fervorosamente religiosa e ser, como consequência disso, um tanto estranha aos olhos dos colegas "normais". Cresceu, então, uma garota reprimida e tímida, sem amigos e muito menos namorado.

A garota estava já com seus dezesseis anos de idade quando ficou menstruada pela primeira vez, e, para piorar a situação, ela começou a sangrar na escola, enquanto tomava banho com suas colegas, as mesmas que a desprezavam e zoavam, após a aula de educação física. A menina, que nunca havia sido instruída pela mãe sobre menstruação - ou qualquer outra coisa da vida, pois tudo era pecaminoso -, acreditou estar tendo uma hemorragia.

Como era de se esperar, o acontecimento do banheiro da escola - ou o "incidente do chuveiro", como ficou conhecido - foi um agravante que aumentou ainda mais os deboches a respeito de Carrie; as meninas formaram um grupo na frente da garota e começaram a rir, gritar coisas ofensivas, ao mesmo tempo em que jogavam absorventes nela, que mal sabia o que estava acontecendo com o próprio corpo. Tudo isso despertou uma fúria adormecida por muito tempo em Carrie, desde a "chuva de pedra".

"Bem, talvez mamãe fosse uma fanática, estranha, mas pelo menos era previsível. A casa era previsível. Ela nunca chegara em casa e encontrara meninas atirando coisas aos gritos e às gargalhadas."

A partir de então Carrie começa a treinar e aprimorar cada vez mais seu poder recém descoberto - a telecinesia, que é a capacidade de mover ou exercer força sobre objetos com a mente.

"A escrivaninha ergueu-se no ar, tremeu um instante, depois subiu quase até o teto. Ela a desceu. Abaixou. Levantou. Agora a cama, com todo o peso. Para cima. Para baixo. Para cima. Para baixo. Como um elevador."

Ao longo da estória de Carrie temos trechos de um livro (ficcional) de estudo científico que trata sobre a telecinesia, e através dele podemos descobrir e aprender mais sobre o tema, o que achei bem legal. Outros textos também são intercalados com a estória principal, como artigos de jornais, trechos do livro de uma personagem, relatórios, entrevistas, etc, algo que gostei bastante, porém alguns desses trechos entregam algumas coisas que ainda não haviam sido narradas na estória - para mim não fez muita diferença, pois como eu já havia assistido ao filme, já tinha uma noção do que iria acontecer, mas pode incomodar quem não sabe nada sobre a estória.

É um livro que trata de um poder sobrenatural, sim, mas isso é apenas um pano de fundo para a estória de uma menina que tem uma vida tristíssima. Chega a ser palpável de tão cruel o sofrimento da Carrie, por todas as coisas pelas quais ela passa, tanto na escola quando em sua casa e em sua própria mente. É impossível, acredito eu, terminar o livro com um sentimento de raiva de Carrie, mesmo depois de tudo o que acontece.

Enfim, foi uma leitura bem tensa e macabra em algumas partes, mas também triste e sentimental; para quem não lê Stephen King por medo de encontrar fantasmas e monstros, pode ler esse tranquilamente, pois não dá medo, apenas deixa o leitor apavorado com certas cenas.


14/10/2020

[Lidos do mês] Setembro | 2020

Olá, livreiras e livreiros! Hoje viemos mostrar (meio atrasadas) as nossas leituras do mês de setembro. Estivemos bem envolvidas com outras coisas nesse mês, por isso as leituras não renderam tanto, mas as que fizemos foram muito boas. Vamos conferir?

Larissa


- De volta no tempo | Caty Coelho (5/5)

Viviane


- O mistério da estrela | Neil Gaiman (4/5)
- Solo raso | Sandro Muniz (4/5)
- O último adeus | Cynthia Hand (5/5)

POSTAGEM POR: LARISSA E VIVIANE

12/10/2020

[Resenha] Qualquer lugar em casa | Vários autores

Qualquer lugar em casa

Autor(a): Vários autores
Editora: Editorial Independente
Páginas: 72
Resenha por: Viviane
Avaliação: 5/5
Compre: (11) 9 9309-5450 (WhatsApp)

*Livro cedido pela editora para resenha


Sinopse: Um projeto que reuniu 12 autores de alguns estados do Brasil para expressarem seus sentimentos durante a quarentena.

Resenha: Fiquei imensamente feliz quando recebi o convite para resenhar esta antologia, que foi lançada em e-book pela editora Editorial Independente. O livro conta com textos de onze autores, mais um da Brenda Rodrigues, organizadora da antologia.

Inicialmente temos um breve resumo de como a pandemia surgiu, o primeiro caso lá em Wuhan, na China, e o primeiro caso aqui no Brasil. A quarentena que era para durar dias ou semanas, mas já se estende por meses, e eu acredito que completará um ano. Cada pessoa tem um jeito de lidar com tudo que está acontecendo, e nesta antologia teremos relatos, em forma de versos, poemas, diálogos e dissertações, de como os autores estão lidando com a situação. Cada autor escreveu dois textos, e eu fiz um breve comentário de cada um deles.

Yasmin Cardozo

"É sobre o novo agora": O poema resume bem o que aconteceu - em poucos dias, tudo mudou, o isolamento e as coisas que antes não dávamos valor e que agora são parte de nosso dia a dia.

"O toque;
Tão pouco valorizado antes, mas,
tão desejado no novo agora!"

"A esperança do amanhã": Aqui a autora já nos traz uma reflexão de como será daqui para frente, com as lições que tiramos.

"Eu tenho esperança no amanhã! Tenho
esperança que no final a gente irá parar,
olhar e agradecer aos céus por ter passado por
essa pandemia ileso ou simplesmente vivo."

Kaylane Cristiny Nunes Ataides

"3,2,1": A autora nos mostra o quanto vivíamos em nossa bolha de segurança, mal se preocupando com as tragédias do mundo, até que o vírus bateu à nossa porta.

"Parar o mundo": Aqui a autora nos traz palavras de esperança e crença no futuro.

"Então não creio que estejamos parados!
Na verdade, estamos correndo desenfreadamente
em busca daquilo que nos mantém vivos,
completos..."

Araceli Alves

"Memórias do futuro": A autora, ao observar seu closet, reflete sobre como era sua rotina antes da pandemia e sonha com o dia em que tudo voltará a ser como antes.

"Bolsas, sapatos, perfumes... Como itens
expostos em um museu do meu modo de existir,
guardam meus sussurros de uma prece para o
futuro...
Um futuro incerto, que não sabemos quando,
de fato, se tornará presente."

"A lucidez das palavras": Descreve muito bem a rotina de quem teve que ficar em casa, os dias mais produtivos, de arrumação, e outros mais ociosos, só procrastinando.

Daniel Bahiense

"O que me restava": O autor descreve como o isolamento o fez sentir saudades de coisas que nunca nem mesmo gostou, como carnaval e praia.

"Fragmentos": Com uma narrativa bem metafórica, o autor descreve a perda de um grande amor.

Nane Ogata

"Gratidão": Comemorar o aniversário em plena quarentena fez a autora refletir sobre o que realmente importava em sua vida.

"Comemorar em meio ao isolamento social me fez entender que de nada adianta ter festa, ter o look novo para usar, se preocupar com cabelo e maquiagem, de nada vale a superficialidade se não tiver o essencial; pessoas que celebrem a sua existência!"

"O caminho": Conta como o isolamento trouxe autodescobertas e aceitação.

Ronnário

"Maio de 2020": Em poucas palavras o autor descreve como a maioria das pessoas - inclusive eu - se sentiu quando tudo começou - com medo, insegura, com crises de ansiedade e até o pensamento em desistir de tudo... um turbilhão de sentimentos.

"E um turbilhão de incertezas, no meu inconsciente fico tentando buscar sobreviver, ficar bem!"

"Sobrevivendo a 2020": Aqui o autor descreve como está sobrevivendo, um dia de cada vez.

Patrícia Bahiense

"Em tempos": Em forma de poema, a autora traz palavras de otimismo.

"Reflexão de um planeta": Com mais palavras de otimismo, a autora incentiva a solidariedade e a ser grato pelo que temos.

Luiza Castro

"Silêncios": A autora filosofa sobre o silêncio que veio junto com a quarentena.

"Prisão domiciliar": A distância do amor é descrita em forma de poema, uma saudade sem fim, mas com a crença de que tudo vai passar.

J. C. Willians

"O tempo": Acho que este foi o relato que mais me identifiquei; fala como o tempo é relativo, e como a rotina do isolamento começou tranquila e foi se tornando massante, e sobre como tivemos que nos reinventar.

 "E então você se vê a mais de três meses 'preso' em seu próprio lar e antes o que te trazia alívio começa à te sufocar."

"Lembranças": Esse relato me cortou o coração e trouxe lágrimas aos meus olhos, pois fala da perda de uma pessoa muito querida, vítima do covid.

Angel Spaniol

"Sede": Fala de como e difícil ter que ficar em casa, chega uma hora que parece até uma prisão, porque uma coisa é querer ficar em casa, outra bem diferente é ser obrigado.

"Homem de lata procura um coração": Divaga de maneira metafórica sobre a busca do sentimento mais puro - o amor -, tudo pelos olhos de um robô.

Henri Santos

"Um bate papo qualquer": O que parecia ser um diálogo entre amigos que planejavam o que iam fazer quando a quarentena acabar, se revelou algo bem diferente.

"Akuanduba": Com personagens do folclore, teremos uma outra visão do descobrimento do Brasil.

Brenda Rodrigues

"Sentimento oceânico": A autora e organizadora da antologia traz um trecho de seu livro solo, 'Auge do trauma', com palavras de gratidão, esperança e otimismo.

25/09/2020

[Resenha] Solo raso | Sandro Muniz

Solo raso

Autor(a): Sandro Muniz
Editora: Amazon
Páginas: 174
Resenha por: Viviane
Avaliação: 4/5
Compre: Amazon

*E-book cedido em parceria feita no Instagram


Sinopse: Você já pensou que a Segunda Guerra Mundial pode ter acontecido em solo brasileiro?

A história oficial foi contada faltando pedaços.

Fatos atuais e antigos da história se entrelaçam nessa ficção repleta de mistérios e muita emoção.

Pedro Gilga Sacks, arqueólogo, foi parar em uma ilha sem nome. Não sabia que iria encontrar aventuras e situações que o farão duvidar até mesmo de onde pisa.

Pedro faz amizades com pessoas peculiares - um messias que esconde ovos; uma senhora que diz ter vivido a guerra - conhece e vivencia histórias fantásticas que farão dele uma nova pessoa ao fim de sua corrida para desvendar explosões que mutilam, mulheres que somem sem deixar rastros e uma possível reinterpretação da Bíblia Sagrada. Isso se ele sobreviver.

Resenha: Pedro é arqueólogo, e seu maior sonho é descobrir um fóssil muito antigo. Por uma ironia do destino, depois de quase ser morto em um assalto, ele é transferido por sua empresa para trabalhar em uma ilha. Nessa ilha, no passado, uma ferrovia foi construída com a promessa de trazer progresso e água potável, porém ambos não chegaram. Agora a empresa que Pedro trabalha vai construir um porto, mas, para isso, a ilha será dizimada.

"As crianças choravam no que restou da praça. Elas amavam a escola. Iam a pé para lá. Seus professores eram seus tios e tias. Tudo foi demolido. Não puderam nem pegar suas mochilas. Foi uma Chernobyl sem a energia nuclear. Sem um acidente. Era de propósito."

Logo que chega à ilha, Pedro fica sabendo de alguns desaparecimentos de mulheres e algo muito intrigante: acontecem explosões dentro da mata, e os poucos sobreviventes acabam mutilados.

Pedro faz amizade com o padre da ilha, que é contra as obras, e juntamente com sua colega, Eugênia, tenta investigar tanto as explosões quanto os desaparecimentos de habitantes, principalmente mulheres jovens e com filhos. Pedro vai até um bar e escuta as mais diversas e absurdas teorias dos habitantes; alguns moradores locais mais antigos relatam que a Segunda Guerra Mundial aconteceu ali também, e mostram até os capacetes dos alemães com marcas de tiro.

Intercalado com a narrativa de Pedro, temos o dia a dia de uma das sequestradas, que vai dando pistas de quem ela é e de onde pode estar.

Durante uma busca, dentro da floresta, de Pedro e sua colega por pistas das explosões, um cachorro passa correndo e uma explosão acontece; em meio ao buraco que se forma, um artefato é encontrado, uma espécie de placa, com inscrições em uma língua muito antiga e quase desconhecida. O achado pode atrapalhar as obras, pois a Igreja pode se meter, e é o que acontece: Roma manda um padre para substituir o atual e ficar de olho na ilha e em possíveis achados arqueológicos.

"Não entenderam o que estava escrito, mas no fundo tinham certeza de que tinham achado algo importante."

Conforme a narrativa, que é de capítulos muito curtos, vai avançando, segredos vão sendo revelados, tanto do passado da ilha e de seus habitantes quanto da verdadeira intenção das obras.

Li o ebook a convite do autor e gostei bastante; foi uma ótima oportunidade de conhecer um autor nacional. A leitura é rápida e fluída, desvendando todos os mistérios apenas no final e deixando um gancho para uma possível continuação.

23/09/2020

[Textualizando] Luz no fim do túnel

Olá, livreiras e livreiros! Tudo bem com vocês? Hoje vim trazer para vocês um conto de uma escritora maravilhosa, mais conhecida como minha mãe, haha. O conto foi publicado no livro "Quando a escuridão bate à porta", e como agora os direitos autorais não são mais da editora, resolvemos publicar ele aqui para vocês. Já indico que preparem os lencinhos, pois irão precisar. Vamos lá?

Luz no fim do túnel

Acordei num susto. Talvez a janela tivesse batido com o vento, talvez fosse só o meu coração, acelerado após mais um pesadelo.

Não sei que horas são ou que dia é hoje, há dias que não sei do clima e como está o tempo lá fora.

Sento na cama, minha cabeça lateja. Ao levar as mãos até ela, sinto os cabelos sujos; não sei há quanto tempo não tomo banho. Ao olhar para o lado, vejo um reflexo no espelho do guarda-roupas; não reconheço aquela imagem. Sei que sou eu, mas não sou mais nem a sombra do que já fui.

O telefone toca, nem me viro para ver quem é, apesar de imaginar. Atiro-me de volta na cama e durmo. Durmo por não sei quanto tempo e acordo com a campainha tocando. Não tenho forças para levantar, e não é fraqueza, pois a única coisa que faço, além de dormir, é comer, comer muito, tudo o que vejo pela frente. É só mandar uma mensagem para o mercadinho da esquina que alguém entrega, a pessoa larga as compras na porta e jogo o dinheiro por baixo dela, não falo com ninguém, não quero ver ninguém. Não sei o que farei quando o dinheiro acabar e eu tiver que ir até o banco buscar mais.

Volto a olhar para o espelho. Sinto raiva do que vejo. Pego o celular e penso em jogar nele e quebrá-lo, mas preciso do meu aparelho. As forças me faltam, minha visão embaça, percebo que são minhas lágrimas rolando. Porque me sinto assim? Porque sofro tanto? De onde vem esta dor tão íntima e profunda?

Até poucos meses, eu me sentia bem, sempre tive tudo o que quis, até mais do que precisei, mas de uns tempos para cá me sinto triste, diminuída, deprimida. Sempre fui uma mulher bonita, pelo menos eu achava, e sei que era, porque era paquerada na rua, arrancava assovio dos rapazes. Porém um dia acordei, me olhei no espelho e achei meu cabelo feio, minha pele envelhecida, as roupas um pouco apertadas, e fui me isolando, ficando mais caseira, mais introspectiva, participando cada vez menos dos eventos sociais, falando cada vez menos com os amigos e, por último, me afastando da minha família, pois não acho justo levar meu baixo astral para as pessoas.

Volto a dormir, é só o que me resta. Deito e penso: Será que alguém sente minha falta? Será que alguém notaria se eu sumisse de vez? Acho que não.

E assim tenho passado meus dias: dormindo, comendo, chorando.

Decido não me levantar mais para comer, afinal, meu dinheiro acabou e não vou sair para buscar, e se eu pedir ajuda, tenho que falar com alguém, ver alguém, e isso eu não quero de jeito nenhum.

É isso! Vou só dormir. Isso se o celular e a campainha pararem de tocar.

Chega uma mensagem:

Oi filha, o que houve que tu não me atende nem no celular e nem a porta? O que está acontecendo com você? Por favor, fala comigo! Está precisando de algo? Está bem? Por favor, estou ficando desesperada com esta falta de contato. Liguei no teu serviço e disseram que tu sumiu há um mês. Por favor, filha, eu quero te ajudar, mas me diz como. Te amo! Me liga.

Choro copiosamente após ler. Eu não consigo ligar, não consigo responder a mensagem, não sei por quê. Não sei por que dói tanto, não sei de onde vem essa dor, essa angústia. Eu preciso de ajuda, mas não sei pedir, não consigo pedir.

Então eu choro, choro e durmo.

Acordo com um estrondo, não consigo levantar minha cabeça, desta vez é fraqueza, já perdi a conta de quantos dias faz que não como. Ouço vozes:

- Por aqui, ela deve estar no quarto.

Reconheço a voz da minha mãe, mas não consigo abrir os olhos, tampouco falar; estou muito fraca, meu corpo e minha cabeça doem. Perco os sentidos.

Acordo em um quarto muito simples, limpo e arejado. Meu primeiro pensamento é que morri e estou no céu.

Uma voz chama meu nome:

- Vivian, acordou? Graças a Deus! Eu estava tão preocupada, que susto tu nos deu.

- Mãe! O que tu faz aqui? Onde eu estou? O que aconteceu?

- Tu estás no hospital, minha querida. Estava desnutrida, agora já está melhor. Dormiu durante alguns dias, mas já está tudo bem. Daqui, tu vais passar uma temporada em uma clínica bem bonita, uma espécie de hotel fazenda.

Sento na cama e grito:

- Claro que não, mãe! Eu não estou louca, tu é que deve estar.

- Vivian, ninguém aqui disse que tu vai para a clínica por estar louca, tu só precisas descansar um pouco e renovar tuas forças.

- Ah, mas não vou mesmo.

- Ah, mas tu vai sim! Tu perdeu o direito de te governar quando fez esta loucura de te isolar e não me pedir ajuda.

Cruzo os braços em sinal de protesto e faço beicinho, mesmo sabendo que não adiantaria de nada discutir com minha mãe, pois se existe alguém mais teimosa que eu, este alguém é ela.

Nos primeiros dia na tal clínica, banquei a criança teimosa. Recusava-me, sem sucesso, a tomar os remédios, não participava das atividades em grupo e sempre me atrasava para as refeições.

Com o passar dos dias fui ficando cansada de ficar no quarto, os remédios que me davam estavam proporcionando-me um ânimo novo. Numa tarde ensolarada, resolvi conhecer a parte externa da clínica e surpreendi-me com sua beleza; era realmente um hotel fazenda, com piscina, árvores frutíferas e uma belíssima estufa com flores exuberantes; aspirei o perfumes delas e absorvi suas energias. Ao fundo do jardim, avistei uma cabana, caminhei até lá e, ao entrar, pude ver que era bem maior por dentro do que aparentava ser por fora. Encontrei lá várias telas em branco e os mais diversos materiais de pintura. A sala estava vazia, parecia esperar alguém, parecia esperar-me.

Peguei um pincel, olhei em volta para ver se estava sendo observada, não vi ninguém. Escolhi algumas tintas, fechei os olhos, visualizei as flores da estufa que tinha acabado de ver, então abri os olhos e dei minha primeira pincelada. Fiquei surpresa por ver como eu tinha habilidade com o pincel. A cada pincelada, formas surgiam, imagens se concretizavam, saiam da minha mente, direto para a tela. Eu gostei daquela experiência, gostei mesmo, como há muito tempo eu não gostava de nada.

Estava tão imersa em meus pensamentos e naquela obra que surgia na tela que levei um susto ao ouvir palmas atrás de mim. Virei-me rápido e dei de cara com um belo rapaz. Fiquei constrangida, pelos aplausos e pela beleza do homem.

- Olá, Vivian! Vejo que já conheceu nosso estúdio.

Respondi, completamente envergonhada:

- Olá, sim. Desculpe a intromissão, eu não deveria estar aqui.

Tentei sair, mas ele me bloqueou.

- Não. Fique. É um prazer recebê-la aqui, e prazer maior ainda saber que é uma artista.

- Não, eu não sou. Na verdade, nunca tinha pegado um pincel na mão.

- Então temos uma revelação aqui. Por favor, fique. A aula já vai começar, em breve seus colegas estarão chegando.

Apesar de sentir-me muito envergonhada, eu fiquei, e começamos uma agradável conversa. Descobri que seu nome era Nicolas, e que era professor de artes plásticas nas horas vagas, mas psicólogo por profissão.

Já passaram-se três meses desde que minha mãe trouxe-me para a clínica. Hoje estou aqui porque quero e já não porque preciso. Em um mês, farei minha primeira exposição de pintura em tela, um dom que descobri graças a pessoas que não desistiram de mim, nem quando eu mesma já tinha desistido. Estou preparando meu discurso para o dia da inauguração da galeria que aluguei no centro da cidade e que vou expor junto com meus colegas da clínica.

Discurso:

Sejam todos bem vindos a galeria de exposição "Renascer"!

Gostaria de fazer uns breves agradecimentos: primeiro, à Violeta, minha mãe, pois me deu a vida, duas vezes.

Segundo, Nicolas, pois acreditou no meu talento, mas acima de tudo fez-me acreditar que era capaz.

Hoje percebo que não se chega a lugar algum sozinho. Somos egoístas, eu fui egoísta, e quase sucumbi. Mas Deus quis que eu tivesse uma segunda chance, e esta não vou desperdiçar por nada nesta vida. Hoje sou grata pela vida que tenho e pelos amigos e familiares que Ele colocou na minha vida. Acho que tenho uma missão. Infelizmente foi preciso ir ao fundo do poço para me dar conta o quanto a vida é bela, do quanto eu amo viver. E hoje eu celebro a vida, a minha e a de todos que vou ajudar, doando parte do lucro das obras aqui expostas para ONGs que amparam aqueles que, como eu, um dia quase deixaram-se entrar na escuridão, mas que perceberam a tempo que bem no finalzinho do túnel existe uma luz, e que vale muito a pena lutar para chegar até ela.

Muito obrigada!

Viviane Dutra

POSTAGEM POR: LARISSA